Não nos criamos a nós
Três características marcam a existência humana, sempre e em qualquer lugar: a vida, a liberdade e a responsabilidade.
Somos responsáveis (respondemos) por aquilo que somos e fazemos, pelo mundo que nos rodeia, pelos outros seres humanos que não nos podem nunca ser indiferentes. A nossa existência é sempre uma tarefa, uma construção que não nos deixa ficar quietos. O facto, no entanto, é que não fomos nós que escolhemos ser responsáveis; que nos colocámos a nós mesmos perante a necessidade de nos tomarmos a sério, e de tomarmos os outros (os seus sofrimentos e as suas alegrias) como alguém que nos toca e que nos diz respeito. A responsabilidade é-nos dada, não é criação de nenhum de nós, nem é criação humana.
E do mesmo modo a liberdade, essa capacidade de decidir o caminho que havemos de traçar para a nossa existência: não podemos nunca dar por concluídos os trabalhos da nossa construção como pessoas; havemos sempre de procurar ser mais, em cada momento que passa; havemos de procurar novas atitudes e novos horizontes, novos significados, novos modos de os expressar – porque a liberdade não diz respeito simplesmente a cada um: a liberdade dos demais, mesmo que não crie a minha liberdade, torna-a mais possível. Mas também não fomos nós que decidimos ser livres (a liberdade não se conquista, ao contrário daquilo que por aí se diz): ela nasce connosco, é uma tarefa que recebemos. A tarefa da liberdade foi-nos dada com a existência humana.
E também não fomos nós que nos demos a vida. Com efeito, por muito grande que seja a nossa vontade; por muito grande que seja a nossa capacidade técnica; por muito grandes que sejam a nossa sabedoria e ciência, somos sempre devedores. Não fomos nós que nos criámos. Não fomos nós que decidimos existir. Fomos colocados na vida.
Mas então, se assim é, porque passamos a agir como se tudo dependesse de nós? Porque querem que passemos a viver como se pudéssemos dar e tirar a vida; como se estivesse em nossas mãos autorizar a liberdade do próximo e como se fossemos irresponsáveis? Não fomos nós que nos criámos: porque é que achamos que podemos tirar a vida dos outros, como acontece no caso do aborto; ou a nossa própria vida, como sucede no caso da eutanásia?
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