No capítulo décimo do Evangelho de S. Marcos aparece uma sequência de três pares de personagens em tensão muito interessante: em primeiro lugar, «homem»-«mulher», depois, «grandes»-«pequeninos» e, em seguida, «rico» e «pobre». Em todas estas situações, Jesus inverte a lógica vigente: não aceita o domínio do homem sobre a mulher, não aceita que o «grande» domine sobre o «pequenino» nem que o «rico» domine o «pobre». Assim, aproximam-se de Jesus uns fariseus para O «experimentar». S. Marcos é muito claro: os fariseus não estão ali para escutar o Senhor, mas para O «experimentar», isto é, para Lhe armarem uma cilada.
Uma coisa podemos concluir imediatamente: se estão ali para O experimentar, é óbvio que aquilo que Jesus lhes disser não lhes vai servir de nada, porque não estão com o coração livre para escutar. Se a atitude não é verdadeira, nunca poderão de facto compreender e aceitar aquilo que Jesus lhes quer transmitir. Sem um encontro real e verdadeiro com o Senhor não se pode compreender a sua Vida (que é a sua mensagem). O conhecimento verdadeiro, o conhecimento do Amor só se dá no encontro, que precisa do Amor para ser verdadeiro.
Ora, estes fariseus não têm interesse nenhum em conhecer Jesus: eles querem simplesmente armar-Lhe uma cilada. Ele explica a passagem do livro do Deuteronómio que eles citam para justificar que o marido possa repudiar a mulher, mostrando-lhes que o modo como interpretam aquela passagem não é a maneira como Deus quer a relação homem-mulher. Quando os fariseus dizem que se pode «repudiar» a mulher, Jesus rapidamente lhes responde que é por causa da «dureza do vosso coração».
Este é um ponto muito importante: tantas vezes nos perdemos em discussões que não valem a pena precisamente porque não estamos a discutir o ponto que realmente importa: aqui, a questão não é só a relação homem-mulher; aqui, está em questão a «dureza dos vossos corações». Se a dureza do coração do homem é tal que este põe fora de casa a sua mulher, impedindo-a de se reerguer e de ter uma família, então, se há homens com um coração assim tão duro, é importante que Moisés defenda estas mulheres e peça que pelo menos se lhes passe um documento de repúdio. Isto é por causa da dureza do coração.
Mas podemos ir mais longe: já os profetas anunciavam que temos um coração duro, que precisamos de um coração novo. Dirá S. Paulo que é preciso que em nós morra o «homem velho» para que nasça o «homem novo». Um coração duro, aquele do «homem velho», não é capaz de amar e por isso fica inflexivelmente amarrado às leis do «isto pode-se» ou «isto não se pode». Os fariseus discutem a lei, Cristo quer falar do Amor. Ele quer que bebamos da visão original e integral de Deus que nos cria homem e mulher. O pecado é aquilo que nos impede de viver por amor; é aquilo que nos amarra a uma lei dura que bloqueia a vitalidade do amor.
Deus cria a mulher como uma «ajuda», mas não é uma mera ajuda funcional: é uma «ajuda» ontológica, ao nível do «ser». Noutras palavras: só existe o «Homem» na união homem-mulher e só na diferença entre homem e mulher podemos realizar a verdade à qual somos todos chamados, que é a verdade do Amor. O amor existe só na diferença e é a diferença, a diversidade, que faz sobressair a nossa própria verdade, que é o Amor.
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