sexta-feira, 5 de junho de 2020

Carta às famílias da diocese de Lisboa

Pedindo a Deus muita saúde e paz para todos, dirijo-vos deste modo algo do que pensava dizer-vos na Festa da Família, que mais uma vez se realizaria no próximo Domingo da Santíssima Trindade, a 7 de junho.

A pandemia com que ainda nos confrontamos impede que nos reunamos presencialmente desta vez. Mas não que vos manifeste assim a muita estima e oração com que sempre vos acompanho, sabendo como o próprio Deus vos quer, como primeira comunidade humana e escola de comunhão verdadeira.

Pais e filhos, avós e parentes, constituem o núcleo básico de entreajuda e carinho onde a comunidade ganha o seu primeiro rosto e exercício. Por isso a promoção e proteção das famílias deve ser o primeiro objetivo de qualquer sociedade organizada. Temos muito a fazer neste sentido, especialmente agora, quando a crise sanitária e económica atinge fortemente a muitos e dificulta a sobrevivência de tantos, no que respeita ao trabalho e a tudo o mais que garanta a vida das pessoas e suas famílias.

 Durante o confinamento com que procurámos impedir o alastramento da pandemia, as famílias viveram um tempo inédito de concentração em casa e proximidade constante entre os seus membros. Muitos testemunhos me chegaram de como proporcionou também a redescoberta da dimensão doméstica da Igreja. Muitas seguiram mediaticamente as celebrações eucarísticas e os tempos de oração que os seus párocos e outros sacerdotes realizaram. A impossibilidade de receção dos sacramentos incrementou a antiga prática da comunhão espiritual, que acrescenta o desejo de nos alimentarmos do Pão da Vida, que é Cristo omnipresente, mesmo quando não é possível recebê-lo sacramentalmente. Também a recitação familiar do rosário, a leitura da Palavra de Deus e outros momentos de meditação e oração se multiplicaram. 

Será bom que muitos destes hábitos continuem, complementando a indispensável prática sacramental e comunitária que se irá retomando, com a cautela necessária para que a pandemia não retorne. Assim mesmo, unindo as duas dimensões da vida eclesial, doméstica e comunitária, acompanharmos o percurso existencial que o próprio Jesus seguiu nos seus trinta anos em Nazaré da Galileia, da casa de família ao culto comunitário semanal, a que não faltava (cf. Lc 4, 16).

Agradeço muito às famílias da diocese de Lisboa tudo o que conseguiram fazer neste tempo difícil para se manterem unidas na entreajuda e na oração, bem como na atenção às necessidades dos seus vizinhos e outras pessoas mais fragilizadas. Nos Atos dos Apóstolos, conta-se que o primeiro núcleo eclesial do nosso continente, no que respeita à missão de S. Paulo, foi a família de Lídia, em Filipos (cf. Act 16, 15). Sabemos como o apóstolo contou com o casal Áquila e Priscila para a missão em Corinto e em Éfeso (cf. Act 18); e como destaca o papel da família na transmissão da fé, escrevendo assim a Timóteo: «Trago à memória a tua fé sem fingimento, que se encontrava já na tua avó Loide e na tua mãe Eunice…» (2 Tm 1, 5).

Rezo para que tudo continue ou se recupere desta forma, para que a Igreja se defina realmente como “família de famílias” (Amoris Laetitia, 87), tal como começou. Os nossos sacerdotes seguem o percurso de Jesus que, permanecendo celibatário, alargou a todos os sentimentos familiares com que crescera na família de Nazaré. São duas dimensões complementares da mesma vida em Cristo, para que a Igreja se manifeste inteiramente como “família de Deus” (Ef 3, 19).      

Saúdo-vos do coração, especialmente aos casais que neste ano celebram bodas marcantes do seu matrimónio. Confio muito no que o Espírito de Deus faz nas famílias e através delas, rumo a uma sociedade que se torne mais familiar também!


Lisboa, Domingo de Pentecostes, 31 de maio de 2020


+ Manuel, Cardeal-Patriarca

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